domingo, 11 de janeiro de 2009

O Danke do Ndonfo

O meu chorar é feito à medida do lenço (Mia Couto).

Estou como um ndonfo a errar pela savana, graças aos cafés gelados que venho sorvendo em Maputo. Os gajos da Estufa me sacam até o último metical, graças ao meu fraco pelo gengibre e pelo bakalate gelado. Para compensar o dinheiro que me arrancam os mulandi sem coração, que não se apiedam nem um pouco do meu fraco pelos sabores da Pérola do Índico, estou a economizar nos meus gastos com refeições.

Tenho acordado por volta das seis da manhã, para um longo banho com o meu Phebo da sorte, que me foi dado às vésperas de minha partida do Brasil. Chega então hora da única refeição equilibrada do dia: o pequeno almoço do hotel, onde me farto de ananases, maracujás e mangas. Enquanto leio mais um capítulo de Venenos do Deus, Remédios do Diabo, bebo uma chávena de chá ou um pouco de sumo de paipai, dependendo do humor do dia. O calor é constante em Maputo, e a umidade do ar por vezes é de tanta que se torna quase impossível optar pelo chá.


Parece que já estou há tanto tempo em Maputo que esqueço de minha crise de pânico ao chegar aqui. Não sei se foi o excessivo tempo insone antes e durante o vôo, ou o excessivo calor, para o qual não estava preparado. A questão é que surtei mesmo, pirei na batatinha, saí fora-da-casinha e quase que não retorno.

Foi-se o tempo das lamentações, felizmente. Devo aqui render meus justos agradecimentos a alguém que se materializou praticamente do nada às portas do Aeroporto Internacional de Maputo (o qual me faz recordar do Salgado Filho nos primeiros idos dos anos 80) para me iniciar nos mistérios desta cidade. Alguém que me apontou o mau caminho: aquele que leva à Estufa e aos inebriantes cafés temperados com canela, com gengibre, com laranja. Alguém que teve a paciência de acordar cedo e cruzar a cidade para amparar um cara desconhecido, que se encontrava sozinho pela primeira vez na vida, a um mar e a um continente de distância de amigos e familiares. Alguém com uma namorada cuja doçura não se esvai nem mesmo ao negociar com os trabalhadores mulandi das salinas de Matola. Dois alguéns com quem até mesmo uma pedra sentir-se-ia inteiramente à vontade.

Emanuel cruzou o Atlântico, Heike cruzou o Meditarrâeo. Os caminhos desses dois cruzaram-se em Maputo, tal como aquelas retas paralelas que se cruzam no infinito das quais falam a física e a matemática. “Não há mais metafísica no mundo senão comer chocolates”, ou algo assim, escreveu Fernando Pessoa. Emanuel e Heike, juntos, levaram-me para ver o Índico. Comemos chamussas e bebemos M2. Enquanto observávamos o pôr-do-sol de costas para o oceano, dei-me conta: eu estou do outro lado do mundo, feito o ndonfo de grandes orelhas e olhos tristes.

Tal qual ndonfo saciado, erro por Moçambique, que não é Meca, nem Jerusalém nem Calcutá. Tal como ndonfo, erro pelas savanas asfaltadas de Maputo. Tal qual ndonfo, apenas eu mesmo conheço a fragilidade das minhas presas de marfim. Tal qual ndonfo, encontro outros com quem errar, para tornar suportável a errância da existência, e para amainar a dor que a imensidão da savana impinge nos expatriados. Emanuel und Heike, Gutten Danke!

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