sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Carta aberta às pessoas queridas no Brasil

(Oceano Atlântico, 04 de janeiro de 2008)

Il y a quelque chose d’absente qui me tourmente, disse Camille Claudel uns poucos dias antes de ser internada em um sanatório. Depois de uma longa jornada de chorosas despedidas que me fazem lembrar velhos capítulos de Chispita ou de Maria del barrio, finalmente consegui me acalmar um pouco. Nada como um red wine sul-africano para pôr um pouco de paz nos nervos aturdidos. Voar sobre o Atlântico sem álcool é tarefa árdua por demais para mim. Estou enxergando a tela do laptop meio turva, mas isso é detalhe. Não dá para perder o calor do momento e registrar estas sensações tão intensas, mesmo que tenha de ser aos trancos e barrancos. Toujours des tourbulances!

Depois da comoção geral no Salgado Filho, embarquei rumo a Guarulhos. Uma hora e meia hiper-ventilando e suando frio. Um rapazinho simpático (que estava sentado ao meu lado) chegou a ficar preocupado. Nada que uma cerveja bock não pudesse resolver (e resolveu!). Todavia, como já falei em outras ocasiões, é um tanto desesperador descobrir que trinta e um anos de existência e de duro trabalho intelectual cabem em três estantes, duas malas e um saco de lixo. Ops! Chegou a comida! Depois continuo!

[Pausa para comer].

A comida estava bem honesta, e o cara-de-pau aqui pediu mais um red wine no lugar do cafezinho... but continuemos a narração sobre as milhas Porto Alegre – Guarulhos. Depois de me debulhar em lágrimas no Salgado Filho, entrei em um surto de pânico até chegar em SP. Não que voar me assuste, pois acho que gosto mais de voar até mesmo do que Danuza Leão. Acho o maior charme uma viagem internacional na classe econômica. Uma vez que se atravessa o Atlântico, tudo é uma tremenda festa! A pessoa até tira o proletário da vila, mas ninguém tira a vila do coração do proletário (Rita Schmidt diria “intelectual orgânico”, mas nós sabemos que o meu caso é de chinelice extrema e assumida mesmo). O pânico foi gerado (adivinhem!) por essa coisa qualquer de ausente que me atormenta. “Coisa”, aliás, que tem nome, sobrenome, endereço, RG, CPF e uma sede por cerveja que excede os limites da normalidade. Alguém aí tem idéia de quem estou falando? Uma pista: não é parente de sangue, leciona Geografia e [corte da censura para tornar o texto publicável]! Por essa ninguém esperava, não é? Hein? Hein!?!

Well, depois da crise de pânico, cheguei em Guarulhos, e segui rumo ao guichê da South African Airlines para fazer o maldito check-in. Quarenta minutos! Tudo bem, o maldito também vale para a conexão Johanesburgo – Maputo, mas mesmo assim... Se não fosse o simpático funcionário sino-brasileiro a me liberar das declarações de valores e bens, juro que eu não teria conseguindo embarcar rumo à África do Sul. Por que ninguém me avisou que eu teria de correr uma maratona para encontrar a maldita Asa D? Acho que esse “D” deve ser de “desesperadamente distante”.

(Estou com a impressão de que todos neste vôo estão lendo o que ora escrevo, e que me julgam como um adolescente problemático escrevendo uma cartinha afetuosa para papai, mamãe e os amiguinhos da escolinha burguesa do bairro chic de Porto Alegre. Apesar de já ser balzaquiano,

passo por estudante de intercâmbio que vai aprender inglês na África do Sul (agora é fashion!) Ah... se soubessem que sou o filho de um metalúrgico aposentado que está indo rumo a Moçambique para trabalhar como enviado do Ministério das Relações Exteriores do Brasil... (provavelmente continuariam pensando que eu sou mais um sanguessuga que vai fazer carreira intelectual em cima das desgraçadas ex-colônias africanas). Ao menos quem está me pagando é o governo do meu próprio país, o que me alivia um pouco da culpa histórica de ter nascido no último país a abolir a escravidão no Ocidente.

Caramba! Já são 21h. Parece que o vinho deu uma levantada legal na minha pressão arterial, as minhas patas de baixo estão mais inchadas que a minha barriga (acabo de tirar meus tênis), sem contar que estou suando feito um cavalo de madeireira, daqueles que fazem carretos em pleno mês de janeiro, ao meio dia, com o sol a pino, parecendo a gema de um grande ovo frito no céu. (Caio, queria que tu estivesses vivo para ler minha homenagem. Poucos irão perceber a deliberada intersemiose que tento precariamente construir entre este escrito rés-do-chão e um dos teus mais belos contos).

Soundtrack: Marta tiene um marcapaso, rock castelhano da Hombres G. Ops! Dúvida cruel: acaba de começar a tocar Me duele la cara de ser tan guapo, da mesma banda, no meu MP3. Baixem as duas pelo LimeWire e decidam por vocês mesmos.

Um afetuoso abraço a todos,

Dr. A. P. Alós
Futuro Professor-Leitor (ou seria Professor-Leitão?) do ISCTEM

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Pequeno pós-escrito: muitos beijos e abraços a todos que me foram dar um “adeuzinho” no Aeroporto em Porto Alegre. Juro que minha intenção era escrever um bilhetinho para cada um de vocês, mas se eu fizer isso agora a performance drama queen não vai acabar nunca, e o comissário de bordo simpático vai parar de me servir shiraz. De mais a mais, já estou bem mais tranqüilo, embora um pouco aflito pelo sofrimento que minha ausência causará nas pessoas de Porto Alegre – mais especificamente em uma pessoa muito querida e meio tresloucada, cuja falta me dói fundo lá no fundo. A pessoa vem me aturando nos últimos oito anos. A pessoa me ensinou o grande dom da generosidade. Entretanto, a certeza de que “os melhores diálogos são travados no silêncio” – como certa vez disse Clarice Lispector a Jane Tutikian – me tranqüiliza. Tal como Mia Couto, penso-me como um “tradutor de silêncios”, e todas as línguas puderam ser lidas nos meus olhos que brilhagrimaram nesta tarde de domingo.

That’s all folks! Diga tchau, Lilica! Chegou a hora de sonhar com Miss Lexotan.

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